✮⋆˙Independente do Cosmos✮⋆˙
Última Atualização: 31/01/25
Primeiro, nunca nevava como nas produções. Eu podia contar nos dedos de uma mão as vezes que nevou na véspera ou no próprio Natal. Segundo, a cidade ficava abarrotada de turistas, tornando o fluxo ainda mais caótico para os desafortunados que precisavam passar perto das áreas turísticas.
O trajeto do Bryant Park até a Grand Central levava cerca de dez minutos a pé – sete, se você fosse novaiorquino. Mas naquele dia, fazendo o mesmo percurso de sempre, eu demorei quase meia hora para chegar à estação.
E era só seguir uma maldita rua reta.
Enquanto Manhattan fervilhava em caos – nas ruas, no metrô, em todo lugar –, no Queens, os sinais da época eram bem mais discretos: algumas decorações em portas e janelas, uma fina camada de gelo aqui e ali, e o sal espalhado no chão, pronto para evitar derrapagens.
O caminho da estação até meu apartamento na 168th Street foi mais rápido do que o usual. Provavelmente porque eu caminhava apressada, ansiosa para me enrolar em uma coberta quente e tomar meu chocolate quente com canela.
Diminui o passo ao entrar no Hillside Park, aceitando de bom grado o calor que a portaria oferecia.
— Boa noite, . Chegou uma entrega para você — anunciou Carl, o porteiro, chamando minha atenção.
Franzi o cenho, tentando lembrar se tinha alguma encomenda pendente. Nada veio à mente.
— Obrigada — murmurei, caminhando até a caixa do 203.
No cubículo reservado ao meu apartamento, encontrei uma caixa pouco maior que minha mão. Peguei-a, encarando-a desconfiada enquanto seguia para o meu andar.
Já dentro de casa, imaginei que aquilo fosse um presente de Natal do meu pai. Às vezes ele ainda lembrava que eu existia...
Deixei a bolsa no sofá e fui até a mesa da cozinha, onde depositei a caixa. Fiquei alguns segundos apenas olhando para ela, cogitando a possibilidade de ser um engano, mas, ao virar a embalagem, percebi que não era.
Ali, em uma caligrafia bonita e caprichada, estava o meu nome:
Sanders.
A curiosidade venceu, e abri a caixa. Dentro, havia um pequeno globo de neve com decorações natalinas. Franzi o cenho, ainda mais confusa. Meu pai me mandara um souvenir que eu poderia comprar em qualquer loja de lembranças?
Segurei o globo, que era leve, e notei um papel no fundo da caixa. Não precisei pegá-lo para ler o que estava escrito:
"Agite para um milagre natalino."
Ri, incrédula, mas não resisti à tentação. Com um movimento suave, sacudi o globo.
Eu não sabia exatamente o que esperava, mas quando nada aconteceu nos primeiros segundos, um desânimo me atingiu. Por um momento, eu realmente havia acreditado que aquilo poderia realizar um milagre.
Já estava prestes a devolver o globo à caixa quando percebi que as imagens dentro dele começaram a tremer. Estabilizei minha mão, achando que o problema era eu, mas isso não resolveu.
De repente, o tremor ultrapassou o globo e atingiu meu apartamento. Um vórtice começou a emergir de dentro do globo, crescendo rapidamente até me engolir por completo.
O mundo ao meu redor desapareceu. O ar ficou mais frio, e o cheiro reconfortante de chocolate quente com canela inundou o ambiente. Minha cabeça girava, meus olhos pesavam, e não demorou até que se fechassem.
Será que foi assim que a Dorothy se sentiu?
Mas eu não devia me perder na beleza daquele lugar. Minha mente gritava, exigindo que eu focasse no essencial: encontrar respostas para as duas perguntas que latejavam incessantemente.
Onde caralhos eu estava?
E como, em nome de tudo que era mais sagrado, eu tinha parado ali?
— Ela chegou! — Uma voz fina e melodiosa ecoou pela praça, cortando o silêncio.
Fiquei imóvel, os olhos vasculhando ao redor, mas não havia ninguém.
— Finalmente! Alguém tem que lidar com ele. — Outra voz respondeu, completamente diferente da primeira. Era grave, mas carregava uma cadência peculiar, como uma mistura de sotaques estrangeiros e personagens animados.
— Hm, oi? — murmurei, incerta, começando a questionar seriamente minha sanidade.
E foi nesse momento que tudo desabou sobre mim como um passe de mágica – literalmente. Duas figuras surgiram bem na minha frente, do nada, como se o universo quisesse me dar um susto só para se divertir às minhas custas.
Dei um gritinho patético acompanhado de um passo para trás, tropeçando em meus próprios pés. Meus olhos foram atraídos primeiro pela jovem. Não havia outra palavra para descrevê-la além de etérea.
Sua beleza era quase sobrenatural. Pele clara como o luar, cabelos azuis que lembravam o céu de verão e olhos verdes enormes que brilhavam com uma animação quase infantil. Havia algo nela que parecia gentil e acolhedor, mas as asas... Porra, asas! Saíam de suas costas, grandes e delicadas, em um tom azul mais pálido que o de seus cabelos. Quase transparentes, refletiam a luz de forma que pareciam cintilar como cristais.
Foi nesse instante que uma ideia absurda surgiu na minha mente: o globo de neve que recebi, com toda certeza, estava adulterado. Talvez com alguma substância alucinógena ou uma droga proibida, como um boa noite, Cinderela. Só isso explicaria o que eu estava vendo. A fadiga causada pelo burnout tinha, aparentemente, chegado ao seu auge.
Então, meus olhos se voltaram para o ser ao lado dela, e minhas últimas esperanças de racionalidade foram esmagadas.
Um coelho. Gigante.
Ele tinha pelo acinzentado, olhos negros brilhantes e, apesar de estar em pé como um humano, segurava uma cenoura de maneira muito casual. Media pelo menos um metro e sessenta, e seu olhar carregava uma combinação inquietante de ceticismo e exasperação.
— Certo. Isso é oficial. Eu perdi completamente a sanidade. — Minha voz saiu mais alta do que eu pretendia, mas nenhum dos dois pareceu se importar.
A jovem sorriu, um sorriso largo e cheio de dentes perfeitos, que em qualquer outra situação teria sido tranquilizador.
— Você não está louca! – exclamou ela com um tom quase cantarolado. — Está exatamente onde deveria estar!
— Ah, claro. Porque é isso que pessoas loucas diriam.
O coelho ergueu uma sobrancelha – ou algo que se parecia muito com isso – enquanto dava uma mordida na cenoura.
— Honestamente, não temos tempo para dramas existenciais. Ele está esperando, e nós precisamos da sua ajuda.
— Ele? Quem diabos é ele? – perguntei, cruzando os braços em uma tentativa patética de parecer confiante.
O coelho suspirou, como quem já lidou com centenas de idiotas antes de mim.
— O Papai Noel, é claro.
Eu pisquei. Uma vez. Duas vezes.
E caí na gargalhada mais histérica da minha vida.
Os dois seres à minha frente me olharam de um jeito estranho, como se eu fosse a única coisa fora do lugar naquela praça surreal. Eu, que ainda estava tentando processar tudo, me limitei a encará-los de volta, sentindo o peso do silêncio constrangedor.
Os minutos passaram, e eu não conseguia decidir se aquilo era um sonho, um delírio ou uma pegadinha elaborada.
— Será que foi errado? — A voz da jovem-fada que eu tinha decidido chamar de "minha alucinação" soou apreensiva, quase como se estivesse pedindo desculpas a alguém invisível.
— A magia nunca erra. — O coelho rebateu com firmeza, a paciência dele parecendo estar por um fio. — Você é Sanders, não é?
Meu cérebro deu um pequeno solavanco ao ouvir meu nome completo, mas tudo o que consegui fazer foi acenar com a cabeça, lenta e mecanicamente. Se eles faziam parte do meu delírio, era óbvio que saberiam coisas sobre mim.
— Eu sou Willow, a fada do dente — disse a jovem, colocando as mãos na cintura com um sorriso que parecia iluminar o ar ao nosso redor. — E este aqui é Shashi, o coelho da Páscoa.
Olhei para os dois, piscando. A insanidade da situação era quase cômica.
— E eu sou o bicho-papão. — Minha resposta escapou antes que eu pudesse pensar melhor.
Willow soltou uma risadinha cristalina, como se eu tivesse acabado de contar a melhor piada do mundo, enquanto Shashi apenas revirou os olhos e deu mais uma mordida na cenoura.
— Não, bobinha. — Willow balançou a cabeça, ainda sorrindo. — Você é a pessoa que vai ajudar o Noel a voltar a enxergar a magia do Natal.
A declaração foi como um soco inesperado no estômago. Eu ri, mas o som saiu fraco, irônico.
— Não sei nem se eu acredito no Natal.
Willow me olhou com compaixão, como se eu tivesse acabado de confessar um crime terrível.
— É exatamente por isso que você foi escolhida. — A convicção em sua voz me incomodou mais do que deveria.
— Escolhida? Por quem? — perguntei, cruzando os braços em uma tentativa de parecer no controle.
— Pela magia, é claro — respondeu Shashi, de maneira pragmática. Ele limpou os restos de cenoura das patas e deu um passo à frente. — A magia nunca erra, . Se você está aqui, é porque há um motivo. E, acredite ou não, logo você vai descobrir.
— Isso está começando a soar como o discurso de um sequestro.
Shashi suspirou profundamente, mas Willow deu uma risadinha.
— Não é nada disso, prometo! — disse ela, estendendo a mão como se quisesse me tranquilizar. — Aqui é o ponto de encontro central. Estamos em um mundo onde todas as lendas existem.
Eu pisquei novamente.
— Todas as lendas?
— Todas. — Willow acenou com a cabeça com tanta certeza que me perguntei se era possível duvidar dela.
— Isso aqui — Shashi gesticulou em volta da praça — é como uma encruzilhada. Eu moro a leste, em um vilarejo cheio de coelhos que me ajudam a me preparar para a Páscoa todo ano. Willow mora ao sul, em um lugar lindo onde ela e outras fadas cuidam dos dentes que as crianças deixam debaixo do travesseiro.
— E o Papai Noel? — perguntei, tentando acompanhar a lógica absurda.
— Ele está no norte, no Polo Norte, é claro — respondeu Willow, quase ofendida pela pergunta. — Ele vive lá com seus elfos em uma vila onde é Natal o ano todo.
Antes que eu pudesse questionar, Willow me puxou pelo braço com uma animação quase infantil.
— Venha, vou te mostrar uma coisa.
Ela me conduziu até uma placa de madeira grande e desgastada, cheia de setas apontando em várias direções. Cada uma delas indicava um lugar diferente: “Polo Norte”, “Vilarejo das Fadas”, “Floresta da Páscoa”, “Cidade do Halloween”, “Terras de São Valentim”... A lista parecia interminável.
— Daqui, você só precisa seguir a direção certa — explicou Shashi, apontando para a seta que dizia “Polo Norte”.
— E encontrar o Papai Noel — completou Willow, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Olhei para eles, depois para a placa, e por fim para o caminho que se estendia à minha frente.
— Certo, e se eu não for?
Shashi me encarou com seriedade.
— Então, o Natal está condenado.
Eu ri, mas nenhum deles pareceu achar graça.
— Ah, ótimo. Sem pressão nenhuma.
Aquilo ainda parecia um delírio, uma alucinação de uma adulta exausta que havia consumido fantasia em excesso ao longo da vida. Mas, por mais insano que fosse, uma parte de mim — talvez a parte que ainda acreditava na magia de uma noite de Natal — desejava que aquele surto continuasse por um pouco mais de tempo.
Enquanto encarava Willow e Shashi, duas figuras saídas diretamente de contos de fadas e folclore, um pensamento absurdo começou a tomar forma na minha mente. Se isso era mesmo real — ou mesmo que não fosse —, talvez eu devesse aproveitar a oportunidade. Porque, afinal, que outra chance eu teria de confrontar o Papai Noel?
Que criança nunca sonhou em encontrá-lo para pedir todos os presentes do mundo? Essa era minha chance de tirar a limpo uma das maiores injustiças da minha infância: por que, diabos, eu nunca ganhei nada do que escrevi nas minhas cartinhas?
Com um suspiro resignado e uma pontada de determinação, dei um singelo aceno de cabeça em direção a Willow e Shashi.
— Tudo bem. Vou até o Polo Norte.
Willow deu um sorriso largo, como se tivesse esperado por essa decisão a vida toda, enquanto Shashi murmurou algo como “finalmente” antes de roer outra cenoura – que eu não fazia a mínima ideia de onde ele tinha tirado.
Comecei a caminhar, seguindo a direção apontada pela placa de madeira. O caminho se estendia à minha frente, um pouco nebuloso, cercado por grandes pinheiros cheios de neve que pareciam tirados de um cartão postal natalino.
Eu já não era mais criança, mas faria questão de sentar no colo do Papai Noel e exigir que ele realizasse meus desejos.
Eu ainda acreditava que o burnout havia sido o catalisador, mas talvez fosse a falta de comemorações e tradições natalinas que eu havia abandonado ao longo dos anos. Talvez meu subconsciente estivesse me sabotando, tentando resgatar algo que eu havia perdido.
Segui pela estrada por mais alguns minutos, observando quando os pinheiros cobertos de neve começaram a se espaçar, dando lugar a pequenas construções de madeira que formavam uma vila isolada. As casas pareciam cabanas de caça, típicas de áreas nevadas, e uma sensação estranha se apoderou de mim.
Olhos começaram a me seguir. Pequenas cabeças surgiram nas janelas, e algumas figuras se aventuraram na rua, que até então estava deserta. Seus olhares curiosos carregavam um brilho peculiar, algo entre a esperança e uma expectativa quase palpável.
A porta à minha direita se abriu, e uma figura pequena surgiu. Não era uma criança comum. Suas orelhas eram longas e pontiagudas, e o tom da sua pele tinha um leve brilho esverdeado. Eu sabia imediatamente o que estava diante de mim.
Elfos.
As "crianças" que me observavam não passavam de elfos, pequenos seres mágicos, com olhos brilhando como estrelas.
— Você veio nos ajudar a salvar o Natal? — a voz da pequena criatura soou em um tom tão terno e esperançoso, que quase me senti obrigada a responder que sim.
Mas eu não podia mentir para aquele serzinho que parecia tanto com uma criança. Eu tinha escrúpulos, às vezes…
E essa foi a razão para que eu a respondesse com outra pergunta:
— Eu, hm, estou procurando o Papai Noel. Poderia me ajudar?
Caralho, como era estranho falar isso em voz alta.
O brilho nos olhos da pequena criatura aumentou ainda mais, e logo suspiros animados começaram a soar ao meu redor. Percebi que mais elfos haviam saído de suas casas e agora me observavam com o mesmo olhar de curiosidade, como uma criança diante da sua primeira neve caindo dos céus.
— Eu te levo até lá. O chefe não está de bom humor — murmurou, sendo acompanhada por outros sons desanimados. — Eu me chamo Snowy, sou a ajudante número um… bem, isso quando a oficina estava funcionando.
Um fungar escapou de seus lábios enquanto ela falava, e os olhos antes brilhantes de animação agora estavam opacos, carregados de tristeza. A realização me atingiu como uma bola de neve.
Os elfos eram criaturas feitas para o Natal — ao menos, era assim que todos os contos e histórias os retratavam. E se a oficina estava fechada, sem produzir os presentes, uma parte fundamental do que tornava essas criaturas tão especiais simplesmente desaparecia.
Uma pequena procissão se formou ao nosso redor, e eu observei, em silêncio, enquanto a mãozinha de Snowy segurava a minha, começando a nos guiar em uma direção que só podia ser o bendito norte. Caminhamos assim por alguns minutos, e os pés pequeninos dos elfos que nos seguiam sequer faziam o menor ruído ao quebrar a superfície macia da neve.
Minhas pernas já começavam a doer. Andar na neve era exaustivo, e eu não estava acostumada — nem a me exercitar, nem a andar por essa imensidão de neve, especialmente porque na cidade quase não nevava no inverno, muito menos no Natal. Quando, finalmente, a vastidão branca e intocada da paisagem começou a dar espaço a duas construções.
A primeira que surgiu à minha vista foi a oficina. Era uma estrutura enorme, feita de madeira escura, com o telhado inclinado e coberto por uma espessa camada de neve. Suas grandes janelas, emolduradas com molduras vermelhas, pareciam emanar um brilho dourado, como se lá dentro ainda houvesse vida, algo de calor e atividade, mas que agora estava sendo engolido pelo silêncio da neve. Passamos ao lado da oficina, e enquanto caminhávamos em direção à frente dela, pude ver, ao fundo, uma grande área cercada por uma cerca baixa e adornada com pequenos sinos. Dentro dessa área, várias renas estavam deitadas e pastando lentamente, com seus cascos arranhando o chão congelado. Elas pareciam quase em transe, como se a magia do lugar as mantivesse tranquilas, sem pressa.
Snowy me guiou para a frente da próxima construção, e eu parei, sem poder evitar o impacto da visão que se desdobrava diante de mim. A casa era grande, mas ainda assim tinha a aparência acolhedora das cabanas da vila, só que muito maior. Sua fachada era adornada por pequenos detalhes encantadores — guirlandas de pinheiro enfeitavam as portas e janelas, e uma grande chaminé se erguia do telhado, de onde saía uma leve fumaça. A madeira escura das paredes contrastava com a neve branca que cobria o chão, criando um cenário quase cinematográfico.
Mas o que mais me chamou a atenção foi o silêncio. Uma calma densa pairava no ar, como se o tempo ali estivesse suspenso. Eu pude sentir uma tensão no ambiente, algo que não era totalmente reconfortante. O lugar parecia mágico, sim, mas ao mesmo tempo, havia um peso de expectativa que me fez hesitar por um momento. Snowy se virou para mim, seus olhos redondos me encarando, refletindo um conflito de emoções que eu não conseguia entender.
— Boa sorte, . — Sua mão começou a soltar a minha, mas eu segurei seus dedos entre os meus, retendo-a por um instante.
— Como você sabe o meu nome? — murmurei, a confusão se espalhando pelo meu corpo.
Um sorriso travesso surgiu em seus lábios, seus olhos brilhando com diversão.
— A minha magia reconhece a sua.
Engasguei. A elfa só poderia estar maluca.
Ou eu estava mais maluca ainda.
A única magia que um nova-iorquino seria capaz de possuir era a de nunca se atrasar ou perder o metrô que desejava pegar.
— Eu não sou mágica — rebati, sentindo o pânico crescer.
Risadinhas ecoaram pelo ar, cortando o silêncio.
Uma lâmpada acendeu dentro da casa, próxima à porta, e as risadinhas cessaram imediatamente. Os elfos deram um passo para trás, incluindo Snowy, e seus olhos me encaravam com uma leve apreensão.
— Boa sorte! — Todos falaram juntos, as vozes soando como o toque distante de um sino de renas.
Tão rápido quanto apareceram na vila, suas formas desapareceram, descendo para suas casas e deixando-me sozinha para encontrar o Papai Noel.
Céus, nem pensar nisso tornava a situação menos bizarra — ou insana.
Subi rapidamente os três degraus, parando na varanda da casa e batendo na porta. Um resmungo rouco soou pela madeira, fazendo-me dar um passo para trás, esperando que a porta se abrisse.
Mas nem toda a loucura que eu acabara de vivenciar poderia me preparar para a visão que me recebeu.
A porta se abriu, e o homem que apareceu na entrada me deixou sem palavras. Ele era grande, com ombros largos e uma postura relaxada, como se estivesse apenas esperando por um amigo, mesmo que uma carranca ocupasse suas belas feições. Seu cabelo castanho estava levemente bagunçado, como se tivesse acabado de acordar, e uma barba rala adornava seu rosto, aquelas barbas de poucos dias, que davam a impressão de que ele acabara de decidir deixá-la crescer. Ele usava uma calça de moletom cinza, quase desbotada pelo tempo, e uma regata branca que deixava à mostra os músculos definidos de seus braços. A expressão em seu rosto era de um cansaço tranquilo, mas seus olhos — aqueles olhos profundos e verdes — não tinham nada de calmo. Eles estavam fixos em mim, como se estivessem tentando decifrar quem eu era.
— Você... quem é você? — perguntei, tentando lidar com a sensação de que eu estava em um filme de ficção.
Ou em um surto psicótico.
Ele me olhou por um instante, sem se mover, e depois um sorriso lento surgiu nos seus lábios.
— Eu sou o que você precisar que eu seja.
Eu franzi a testa.
Aquilo era uma cantada?
— Você é o... — comecei, mas as palavras falharam quando ele deu um passo à frente, interrompendo meus pensamentos.
— Vamos entrar. — Sua voz era grave e descontraída, como se estivéssemos apenas em uma noite comum.
Eu não sabia o que fazer, mas algo dentro de mim, talvez uma mistura de dúvida e necessidade, me fez seguir sua instrução e atravessar a porta. O cheiro de pinho e especiarias invadiu minhas narinas assim que entrei, criando uma atmosfera acolhedora, mas também um pouco surreal.
— Estou aqui atrás do Papai Noel — falei, tentando não parecer tão perdida quanto me sentia.
— Imaginei — resmungou, sem se mexer, como se fosse a coisa mais natural do mundo. — Afinal, que outro motivo você teria para estar na minha casa?
Engasguei, produzindo um som horrível, que soou quase constrangedor, atraindo um olhar de pânico do homem que, de alguma forma, parecia mais uma versão real de um deus grego, e não o bom velhinho em pessoa.
— Você é o assistente dele? — Chutei, acreditando que essa era a única explicação lógica.
Seus olhos me encararam com uma mistura de diversão e travessura, muito parecida com a dos elfos. Um leve aceno de cabeça negativo foi toda a resposta que ele me deu.
— Então quem é você?
Ele sorriu de um jeito enigmático, como se fosse um segredo de família.
— Pode me chamar de Noel.
— Noel? Como o Papai Noel? — A descrença estava presente em meu tom de voz e em minha expressão.
Ele fez um aceno de cabeça afirmativo, e por um instante, eu congelei. Aquilo só podia ser uma piada. O homem diante de mim não tinha absolutamente nada a ver com a imagem tradicional do bom velhinho. Ele era alto, imponente, com um corpo atlético e um olhar penetrante. Nada parecido com as imagens vendidas do senhor gordinho e amigável.
— Cadê as roupas vermelhas, a barriga grande e a barba branca? — Meus olhos, sem querer, se fixaram nos músculos de seus braços, um tanto mais definidos do que eu imaginava para alguém da sua "categoria". — E o seu saco de presentes?
Uma risada rouca ecoou pela casa. O som reverberou pelas paredes de madeira, fazendo meus pelos se arrepiarem involuntariamente.
— Você quer mesmo falar sobre o meu… saco? — Ele perguntou, a risada ainda ressoando em sua voz, tornando o ambiente ainda mais estranho e desconcertante.
Eu gelei. O tom de sua voz tinha algo entre provocação e diversão. Eu não sabia onde essa conversa estava indo, mas... o Papai Noel estava flertando comigo?
— Sim… NÃO! — Me embolei na resposta, tentando afastar os pensamentos que começaram a se formar na minha mente, e, claro, arranquei uma risada dele. — A situação já está estranha o suficiente, cara. Cheguei em casa depois de um longo dia de trabalho, abri a merda de um presente que me trouxe até aqui, e agora descubro que preciso ajudar o caralho do Papai Noel a enxergar a magia do Natal.
Ele inclinou a cabeça ligeiramente, o sorriso malicioso ainda nos lábios.
— Bom, não precisa se preocupar. O meu caralho não precisa de ajuda para isso.
Eu engasguei, as palavras falhando na minha garganta. A frase dele ficou ecoando em minha cabeça, e eu estava prestes a desmoronar de vergonha ou rir por não saber qual reação seria mais apropriada.
A atmosfera ficou densa, e eu pude jurar que ele estava se divertindo com a minha reação. Só que, no fundo, havia algo desconcertante, como se aquele homem estivesse jogando um jogo que eu ainda não entendia completamente. O que eu sabia era que ele, aparentemente, era o Papai Noel, e tudo em torno disso estava completamente fora de controle.
A seriedade voltou aos seus olhos, e sua boca se fechou em uma linha reta enquanto me encarava com uma intensidade quase fria. Ele parecia me analisar, como se estivesse pesando cada palavra, cada movimento. O silêncio se estendeu entre nós, pesado, até que eu, incapaz de suportá-lo, abaixei os olhos. Não sabia o que dizer diante da intensidade daquele olhar.
— Você realmente veio do mundo real? — perguntou ele, com a voz grave, mais como uma constatação do que uma dúvida.
Concordei com um aceno de cabeça, sentindo-me estranhamente vulnerável sob sua observação. As palavras pareciam presas na minha garganta, como se ele estivesse me observando não apenas fisicamente, mas buscando algo mais profundo.
Um suspiro pesado escapou de seus lábios, e seus olhos finalmente se afastaram de mim. Ele virou-se lentamente, como se tivesse tomado uma decisão interna, e caminhou em direção ao corredor.
— Você deve estar cansada. Pode dormir no meu quarto essa noite — disse ele, a voz suavizando um pouco, como se essa fosse uma oferta de conforto em meio a toda a estranheza que eu ainda tentava processar.
Eu o segui em silêncio, sentindo a esquisitice do lugar ao redor. Cada passo parecia mais surreal do que o anterior, e o peso da minha situação começava a me atingir com mais clareza. Ele abriu uma porta ao final do corredor e me indicou para entrar.
Quando pisei no quarto, o ambiente me acolheu de imediato, como se fosse familiar, mas ao mesmo tempo totalmente novo. A cama estava feita com uma perfeição que só poderia vir de alguém que sabia como criar um ambiente de aconchego. Quando me deitei, o cheiro suave que emanava de seus lençóis me envolveu — era como chocolate quente com marshmallow em um dia de inverno. Aquele aroma reconfortante me envolveu de uma maneira quase mágica, fazendo com que todo o peso da estranheza ao redor diminuísse um pouco.
Eu fechei os olhos, pensando que talvez, se eu simplesmente adormecesse, tudo isso não passaria de um sonho. Mas, ao invés disso, o sono veio de verdade, me levando para um lugar onde não havia mais dúvidas, apenas um silêncio profundo e acolhedor.
O pensamento de sentar no colo do Papai Noel nunca me atraiu tanto quanto agora...